Desigrejados: voltem para casa!
- Walace Alexsander Alves
- há 2 dias
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A vida cristã é alimentada, nutrida e revitalizada na comunidade. Não existe cristianismo fundamentado no individualismo. Tais enunciados partem da confissão cristã de que Deus é Trindade, isto é, no mistério da divindade coexistem três pessoas distintas, partícipes de uma mesma natureza (ou substância): Pai, Filho e Espírito Santo. É o que confessamos e anunciamos desde o Concílio de Niceia (325 d.C.), que, a propósito, celebra 1700 anos neste ano.
No espectro do anglicanismo, onde nos situamos, a fé trinitária é afirmada e proclamada em nossos cânones, documentos, confissões, liturgias e litanias. Com efeito, crer em Deus Trindade nos exige uma espiritualidade intrinsecamente comunitária. À vista disso, a Igreja é o núcleo pulsante do ser cristão. Jesus Cristo e a Igreja são realidades distintas, embora inseparáveis. Cristo é seu fundador e fundamento: “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Hades nunca prevalecerão contra ela” (Mt 16,18).
A Igreja está fundada, edificada e sustentada nele – com a garantia de sua perpetuação perene na história, enquanto aguarda a Parusia (a vinda visível de Jesus Cristo). São Paulo elabora uma teologia da Igreja (eclesiologia) profunda e sólida. Ele a denomina, por exemplo, de “casa de Deus” (1Tm 3,15), “templo do Espírito” (1Cor 3,16), e “povo de sua particular propriedade” (1Pe 2,9). À luz de São Paulo, a Igreja é o povo de Deus; de modo metafórico, é uma nova “arca da aliança” viva, onde Deus está presente, peregrinando no mundo.
Concomitantemente, a Igreja é uma realidade pneumática. Sua fundação histórica ocorre no dia de Pentecostes, com a descida e efusão do Espírito Santo (At 2,1-11). O Espírito Santo é vital na vida e na missão da Igreja; aliás, é o Espírito quem capacita e sustenta os bispos e pastores da “Igreja de Deus” (At 20,28). Todavia, a meu ver, o ponto áureo da eclesiologia paulina está quando ele define a Igreja como “corpo de Cristo” (cf. 1Cor 12,27). Há uma profunda mistagogia nessa afirmação.
Cristo e a Igreja, ainda que se preserve a distinção de pessoas e substâncias, no mistério da graça tornam-se, por fim, uma só realidade. “Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que, por meio da sua palavra, crerem em mim: a fim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti...” (Jo 17,20-21). É à luz dessa perspectiva que São Paulo entende, por exemplo, o matrimônio, em última instância, como alusão ao enlace entre Cristo e a Igreja.
Urge a necessidade de repensarmos e, principalmente, vivermos a eclesialidade – a teologia e a vida da Igreja. Nossa constatação parte de fatos empíricos e estatísticos: a escalada no número dos que se autodefinem como “desigrejados”. Em linhas gerais, são pessoas que se identificam como cristãs, mas nutrem algum tipo de “intolerância” à Igreja. A rigor, uma contradição, pois cristianizar-se significa, simultaneamente (permita-me o neologismo), "igrejar-se". Contudo, a sensibilidade pastoral nos ajuda a perceber que o fenômeno dos “desigrejados” é fomentado, entre outros motivos, pela mercantilização da fé, pela instrumentalização político-ideológica da Igreja, pela banalização do sagrado e pela traição de parte considerável do clero ao evangelho.
Em suma: em sua maioria, os “desigrejados” são pessoas apaixonadas por Cristo, mas desiludidas com a Igreja. Nestes casos, não basta apenas solidez teológica, mas, sobretudo, cuidado pastoral – são irmãs e irmãos que precisam de cura, não de “teologia goela abaixo” ou de “juízos levianos e alheios”.
Não obstante, amar a Jesus Cristo nos desafia, simultaneamente, a amar a Igreja. Mais do que isso: a sermos parte inseparável dela. Enquanto falamos da Igreja como realidade outra, distinta de nós, é sinal de que, provavelmente, ainda não nos identificamos com ela, não nos entendemos como célula que compõe esse grande corpo místico e histórico de Cristo. Amiúde, subscrevo o que disse Dietrich Bonhoeffer: quem está fora da Igreja está fora de Cristo, porque quando Cristo entra na vida de uma pessoa, a Igreja entra junto.
Gente boa, igrejize-se!
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