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O SENHOR dos exércitos!

Prof. Humberto Freitas *






Na leitura dos livros dos profetas pós-exílicos, Ageu, Zacarias e Malaquias, somos confrontados com uma evidência contundente: a expressão (Adonai tsevaot) é um dado lingüístico marcante naqueles livros. Assemelha-se a um "ornamento barroco" em cada página de cada um desses profetas tamanha é sua repetição insistente.


Como é sabido por todos os que trabalham na área da produção de texto, nenhum texto é neutro. Nenhum é imparcial, nada que se coloca num texto é arbitrário, cada pequeno elemento, por menor que seja é intencional. Portanto, surge a indagação: por que este uso insistente? Por que eivar cada página do texto com a mesma expressão? Por que ela foi tão usada pelos profetas neste período, e se por eles? Por que os contemporâneos dos profetas pós-exílicos que atuaram em outra área da atividade, mesmo sendo israelitas, não se apossaram da expressão? Os dicionários e enciclopédias especializadas não ajudam muito, pois, suas colocações não levam em conta a incidência do uso pós-cativeiro, e a definem como uma referência ao domínio de Deus sobre os exércitos da terra e do céu. Este artigo levanta uma hipótese sobre tal fenômeno lingüístico.


O homem é essencialmente um ser da linguagem. Não é sem razão que Heidegger ¹ afirma: " a linguagem é a morada do ser". Desde tempos imemoriais o homem está criando um mundo paralelo ao mundo do objetivo e concreto que é sua interpretação dele, o mundo da linguagem ². È através dela que o homem se situa no mundo das coisas. Das coisas abstraímos atributos, e as classificamos; tanto em termo de consistência e substancialidade como no nível da exegética. Neste sentido, e só assim, pode-se viver contextualizado na cultura e determinado por ela, até certo pronto. São as palavras que constituem as coisas ³ ao nosso redor e nos encaminham a elas. São o nosso contato, o que tangencia a realidade da "res extensa" cartesiana.


O mundo criado pela linguagem não é perfeitamente superposto ao mundo do cotidiano. A superposição é falha e as arestas desencontradas, sobram ou faltam as margens, que parecem nunca poderem ser justificadas. Mesmo assim, pode-se referir ao momento da enunciação primitiva e originária como um ponto de partida estático, e, acrescentar-se um momento da que seja não primitiva e originária, mas também continuadora de um desenvolvimento mais longo. Assim sucede com alguns nomes de Deus. Ele tem muitos nomes. Todos resultado da visão antropocêntrica, interpretativa, oriunda da perspectiva humana. Tudo isto é natural da linguagem, da sua origem e continuidade.


Procura-se então uma possível conotação da expressão hebraica (Adonai Tsevaot - SENHOR DOS EXÉRCITOS) na compreensão que os profetas pós-exílicos tiverem de Deus a partir da leitura que fizeram da interferência Dele na história do povo hebraico.




O uso diacrônico da expressão - A expressão já era conhecida dos profetas e do povo. Seu uso, esporádico, pode ser constatado no percurso da história em vários momentos e situações diversas. A primeira vez que ela aparece é em I Samuel 1:3. Nesta instancia o sentido parece ser direcionado ao mais comum, que é o de que ele é o verdadeiro comandante dos exércitos de Israel. Como diz John E. Hartley no artigo que escreveu para o Dicionário Internacional de Teologia do antigo Testamento.


"Esse divino aparece pela primeira vez em I Samuel 1:3. Parece que surgiu no final do período dos juízes e nas proximidades do santuário de Siló, onde a arca da aliança estava abrigada. A arca simbolizava o governo de Deus, pois afirmava-se que ele está entronizado entre os querubins (I Samuel 4:4 cf. Salmo 99:1) Este título certamente contém a afirmação de que é o verdadeiro comandante dos exércitos de Israel .


E era natural e espontâneo o pensar nesta direção dentro de uma comunidade inserida num mundo profundamente imerso na religiosidade, e na qual eram abrigados muitos deuses, todos eles guerreiros. Guerreiros valentes que lutavam cada um pela nação que as escolhiam. Nas guerras, a nação que vencia, vencia o deus dela; o deus que vencia, vencia a nação dele.


Isto fica claro em várias instâncias das Escrituras. Tomemos dois exemplos que evidenciam este fato: As pragas antes da libertação do povo israelita do Egito. Tais pragas não foram expressões de um deus tirano e maligno, pleno de sadismo, vingativo, que se alegrava em atormentar os egípcios para vê-los sofrer. De maneira nenhuma! Demonstram, ao contrário, o poder da intervenção de Deus e o seu poder sobre os deuses do Egito, ARA Exodus 18:11 agora, sei que o SENHOR é maior que todos os deuses, porque livrou este povo de debaixo da mão dos egípcios, quando agiram arrogantemente contra o povo.




Outro trecho, também claro sobre este conceito, o que se encontra em Isaias 36:18 – 20, onde está registrado o desafio que Senaqueribe lança sobre Israel e sobre o Deus de Israel, quando se referem, os seus enviados, aos deuses humilhados de nações humilhadas e conquistadas por Senaqueribe:


"Não deixem que Ezequias os engane quando diz que o Senhor 5 os livrará . Alguma vez o deus de qualquer nação livrou sua terra das mãos do rei da Assíria? Onde está os deuses de Hamate e de Arpade? Onde estão os deuses de Sefarvaim? Eles livraram Samaria das minhas mãos? Quem dentre todos os deuses dessas nações conseguiu livrar a sua terra? Como o SENHOR poderá livrar Jerusalém das minhas mãos?


Não há como não considerar a mentalidade de então como uma mentalidade também do povo de Deus. A grande diferença residia na proximidade de Deus. Foi Ele que com "mão forte e o braço estendido" libertou o povo que estava prisioneiro no Egito, guiou o povo pelo deserto: fez maravilhas à vista deles, os protegeu com a nuvem durante o dia, os iluminou com o fogo durante a noite, destruiu exércitos com Josué e com os Juízes, lutou as suas guerras, venceu por eles. Essas experiências vivenciadas solidificaram o conceito de comandante dos exércitos de Israel. Este sentido, sem dúvida, foi adquirido cedo na história de Israel. Os eventos confirmaram esta compreensão: Deus de Israel, Deus dos Exércitos de Israel. Deus Guerreiro, chefe de Guerreiros, SENHOR DOS EXÉRCITOS.



*O Rev. Humberto é Teólogo formado pelo SPN, Especialista em Antigo Testamento, Um dos membros da comissão de tradução da Bíblia NVI no Brasil( parte do Antigo Testamento), Professor de Hebraico, Bacharel em filosofia.

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